Reintegração de empregado portador do vírus HIV
A dispensa de empregado portador do vírus HIV já carrega a presunção legal de ser discriminatória, a exemplo do que ocorre quando o empregado apresenta alguma outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Nestes casos, se não comprovado que a dispensa se deu por outros motivos, o ato do empregador não tem validade, garantindo-se ao trabalhador o direito à reintegração no emprego. Esse é o teor da recém-editada Súmula 443 do TST, aplicada pela 6ª Turma do TRT-MG ao caso de um empregado portador do vírus da Aids que foi dispensado sem justa causa pelo empregador. Com base no voto do desembargador Anemar Pereira Amaral, a Turma de julgadores determinou a reintegração do trabalhador no emprego e ainda condenou a fundação ré a lhe pagar uma indenização por danos morais.
A ré negou ter dispensado o reclamante em razão de sua condição de saúde. Segundo alegou, ele estava apto para o trabalho e só foi dispensado porque a fundação está passando por dificuldades financeiras. Mas o relator não acatou esses argumentos. Ele explicou que há muito a jurisprudência tem firmado o entendimento de que, em casos como o do processo, a dispensa é presumida discriminatória. Dessa forma, caberá à empresa comprovar que a rescisão se deu por motivos diversos, obrigação não cumprida pela fundação reclamada.
Conforme observou o julgador, uma testemunha ouviu dizer que o reclamante foi rebaixado de cargo após comunicar sua doença aos novos dirigentes da ré. Outra testemunha confirmou que ele passou a exercer tarefas de menor importância. Disse ainda ter visto um colega falando para o chefe de departamento pessoal para deixar o reclamante de lado. Com base nesse contexto, o relator não teve dúvidas de que o reclamante sofreu discriminação. "A empresa já vinha dando sinais de tratamento diferenciado ao reclamante, desde que descobriu a sua doença", destacou.
O magistrado ressaltou que as dificuldades financeiras alegadas pela ré não foram provadas. E ponderou que mesmo que isso fosse verdade, a empresa deveria ter dado prioridade em manter o emprego do reclamante, portador de doença grave, "por questões humanitárias". Afinal, como ponderou o relator, esse trabalhador tem mais dificuldade para conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. Ao caso foi aplicado o princípio da função social da propriedade, plenamente cabível na seara trabalhista, no entender do desembargador: "A empresa privada não se encontra em campo neutro, quando se trata de promover meios de sobrevivência digna ao trabalhador, de forma que possa simplesmente relegar ao Poder Público o dever de prestar assistência social", ressaltou.
Ainda de acordo com as ponderações do relator, o fato de não haver lei especifica garantindo a estabilidade dos portadores de AIDS não impede que o intérprete busque outras fontes do Direito para garantir ao trabalhador o seu direito ao emprego. O magistrado lembrou a Lei 9.029/95, aplicável por analogia, conforme artigos 4º da LICC e 8º da CLT, como medida de concretização da ordem constitucional vigente. Em amparo ao seu raciocínio mencionou os artigos 1º, III e IV, 3º, I e IV, 7º, XXXI, e 170 da Constituição da República, afastando tese de violação ao princípio da legalidade.
"Com efeito, na hermenêutica jurídica contemporânea, é muito mais grave subverter os princípios gerais do direito, postulados fundantes do ordenamento, do que conferir interpretação eventualmente ampliativa às normas expressas", concluiu o relator, destacando, por fim, que o reclamante tinha, de todo modo, direito à estabilidade por ter sido eleito membro da CIPA. Por tudo isso, a Turma de julgadores decidiu que o reclamante não poderia ter sido dispensado e manteve a sentença que determinou a sua reintegração no emprego. Entendendo ainda que a dispensa foi lesiva à honra e a boa fama no serviço, configurando clara discriminação, confirmou a decisão que condenou a fundação ré ao pagamento de indenização por dano moral, apenas reduzindo o valor para R$10 mil.